quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Dicas para a elaboração de peças processuais

Por Dr. André Lenart


Só a ignorância pode imputar aos Juízes a responsabilidade exclusiva pela letárgica tramitação de alguns processos. Tantos e tão variados são os fatores que melhor seria riscar do mapa a ideia de culpa – tão fortemente arraigada entre nós – e optar por um esforço concentrado em prol do abandono de certos hábitos. Um desses hábitos deploráveis se prende à apressada e precária elaboração de petições e requerimentos, forçando um sem número de emendas e complementações. Mas o despreparo juridico dos profissionais da advocacia não está aqui em foco; o que se busca é sugerir algumas singelas práticas que facilitariam consideravelmente o bom andamento dos processos.
Nada transmite uma imagem mais relaxada, típica do profissional inexperiente ou despreparado, do que um texto rebuscado, poluído e pouco legível. Além disso, há um componente psicológico da mais alta relevância. O Juiz e os servidores leem dezenas – às vezes, centenas – de peças processuais todos os dias e é natural que aquelas mal rascunhadas ou incompreensíveis sejam postas de lado ou relegadas ao final da fila. Quem atua na área tributária sabe disso perfeitamente e dá um tremendo valor à elaboração caprichada das petições e requerimentos: papel de qualidade, fontes limpas, letras grandes, texto espaçado, discurso coerente, ideias concatenadas, concisão (dentro do possível) – eis a (quase) infalível receita dos grandes escritórios.
Na distribuição do texto, convém atentar para estes aspectos:
1.     ao redigir, use preferencialmente fonte pertencente a uma família tipográfica sem serifa, como Arial, Helvetica, Verdana ou Calibri – nova aposta da Microsoft. Também é possível recorrer a uma fonte serifada tradicional, como a Times New Roman, ou à antiquíssima Garamond. Importante é não usar fontes estilosas cujo impacto visual  empolgue (ao utilizador…) num primeiro momento, mas depois canse os olhos e dificulte a leitura;
2.     as letras devem ter tamanho igual ou superior ao corpo 12. Sugere-se corpo 14 para texto e 11 para destaques (transcrições);
3.     as transcrições, citações e excertos de jurisprudência devem ser destacados do texto principal por meio de recuo de parágrafo e corpo de tamanho inferior àquele usado no texto principal;
4.     o espaçamento entre as linhas deve ser duplo (melhor) ou de 1,5 (no mínimo);
5.     deve haver espaçamento entre os parágrados – distância de uma linha ou 18 pontos;
6.     o alinhamento do texto deve ser justificado;
7.     use itálico e negrito apenas para ressaltar palavras ou expressões relevantes; o uso constante e desregrado embaça e empobrece o texto, tirando força àqueles elementos que mereceriam destaque;
8.     configure as margens para impressão das páginas: 2 ou 3 cm para as margens superior e inferior, 3 ou 4 cm para a margem esquerda e 2 ou 3 cm para a margem direita. A falta de margeamento adequado – sobretudo à esquerda – pode ocasionar dificuldades para o entranhamento das peças e levar à inutilização de parte do texto.
Havendo documentos:
1.     numere-os e inclua um índice no corpo da petição ou requerimento para acelerar a busca; nada irrita tanto quanto aquele amontoado de papéis sem nexo com que muitos advogados costumam instruir as iniciais;
2.     separe-os por meio de folha com inscrição em letras garrafais: doc. 1 (Procuração), doc. 2 (CIC), doc. 3 (Declaração de Pobreza), etc;
3.     se houver dinheiro para isso, siga o exemplo dos grandes escritórios e faça uso de marcadores coloridos.
Cabe ao patrono explicar no que consiste e qual a relevância de cada documento acostado. É o cúmulo da preguiça e da inconsequência profissional ressaltar que o autor tem direito àquilo que se pede, “como demonstram os documentos”. Tenho visto muito isso em processos de natureza previdenciária, o que denota a total ausência de familiaridade do advogado com a matéria.
Concisão e exposição metódica do pensamento são virtudes raras e muitíssimo apreciadas:
1.     redija o texto como quem conta uma estória, isto é, com início, meio e fim;
2.     escrever “difícil” não reflete erudição, nem cultura. Os grandes mestres preferem um linguajar direto e despojado de arcaísmos;
3.     latim pede parcimônia; use expressões salpicadas, mas não abuse de brocardos ou citações;
4.     separe os assuntos em tópicos, usando artifícios gráficos sem exageros para assinalar a separação – corpo maior (16 ou 18) e letras negritadas, por exemplo;
5.     tome cuidado para não misturar questões prévias (preliminares ao mérito, preliminar de mérito) com o mérito propriamente dito, nem repisar aquilo que já foi dito;
6.     há um velho ditado segundo o qual o que interessa está nas duas primeiras páginas. Impetrar mandado de segurança com inicial de 80 laudas é meio caminho em direção à derrota;
7.     a mesma conclusão vale para liminares: não há direito líquido e certo cuja demonstração exija tanto papel assim;
8.     se a pretensão estiver fundada em Súmula, precedentes rumorosos ou em jurisprudência consolidada do STF ou do STJ, não perca tempo com desenvolvimentos  teoréticos intrincados. Juízes e Tribunais saturados de serviço não irão dar bola para isso. Cite a Súmula ou transcreva uma ou duas ementas. Isso será mais que suficiente e facilitará enormemente análise e triagem dos autos do processo;
9.     ao requerer algo (produção de provas, por exemplo), faça-o da maneira mais objetiva possível e indique sempre a finalidade.
Algumas petições iniciais em processos concernentes ao Sistema Financeiro de Habitação costumam ser o melhor exemplo de tudo aquilo que não se deveria fazer: 60 ou 80 laudas de pura verborragia, transcrição de julgados na maior parte caducos (o que, a meu ver, afronta o dever de lealdade processual), causa de pedir padronizada – às vezes sem pertinência com o caso concreto -, descrição lacunosa e imprecisa das características contratuais, impugnações fantasiosas, e por aí se vai. Boa parte do tempo gasto na tramitação se deve à constante necessidade de emendas à inicial a fim de esclarecer dúvidas relativas à pretensão.
Os comentários e as dicas acima são todos muito óbvios. Tão óbvios que pouca gente costuma segui-los.

André Lenart é Juiz Federal Substituto da 4ª Vara Federal de Niterói – Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Na Magistratura Federal desde 2004, já trabalhou em Varas Federais das Subseções Judiciárias de São João de Meriti (Baixada Fluminense), Teresópolis, Rio de Janeiro, São Gonçalo, Itaboraí e Niterói, atuando em diversas especialidades – cível (direito administrativo, tributário), criminal, execução fiscal, previdenciária, juizado especial.
É membro da:
1) Comissão de Acompanhamento das Reformas da Legislação Penal e Processual Penal da Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) (2009-10, 2010-12);
2) Comissão Permanente de Defesa e Prerrogativas da AJUFE (2010-12);
3) Comissão de Direito Penal e Processual Penal da Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (EMARF/2).

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